DECLARAÇÃO DE SANTO DOMINGO
SOBRE O TEMA “SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS
DA FAMÍLIA E DA VIDA NA AMÉRICA”
De 1 a 5 de Setembro, os Presidentes das Conferências Episcopais da América reuniram-se na Cidade de Santo Domingo (República Dominicana), para abordar o seguinte tema: “Situação e perspectivas da família e da vida na América”. O encontro foi convocado pelo Pontifício Conselho para a Família, pela Pontifícia Comissão para a América Latina e pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), como que na sequência do Sínodo da América, no X aniversário da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Santo Domingo por ocasião da comemoração dos cinco séculos do início da evangelização do Continente americano. Os participantes aprovaram por unanimidade uma Declaração final, que decidiram divulgar na significativa data de 12 de Outubro, em que se recorda a descoberta do Novo Mundo.
Nós, Presidentes do Pontifício Conselho para a Família, da Pontifícia Comissão para a América Latina e do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), assim como nós, Presidentes ou Delegados das Conferências Episcopais da América, juntamente com alguns casais e professores universitários, congregados na Cidade de Santo Domingo, quisemos analisar as legislações e a problemática da família e da vida no Continente, no contexto da actual globalização cultural.
Dirigimo-nos com respeito, com insistência e com esperança a todos os homens e mulheres de boa vontade, sensíveis ao grande valor da família e da vida e, de maneira especial, aos responsáveis dos poderes executivo, legislativo e judiciário dos nossos respectivos países. Queremos compartilhar com eles as informações e as solicitudes, à luz do ensinamento da Igreja, dialogar sobre o respeito devido à família e à vida, que encontra o seu próprio fundamento na verdade acerca do homem e, por conseguinte, numa antropologia autêntica.
I. A situação da família
1. Em muitas nações, a verdade sobre a família como instituição natural está a ser ameaçada (cf. João Paulo II, Homilia em Braga, Portugal, 15 de Maio de 1982); trata-se de um bem necessário para assegurar o tecido social, sem o qual o futuro dos povos corre um grave perigo. Mais ainda, devido a uma forte pressão ideológica, dir-se-ia que existe o propósito de desmantelar, peça por peça, o edifício da família, fundamentada sobre o matrimónio.
2. Com subtis instrumentos de manipulação intelectual e jurídica e de ambiguidade terminológica, está a difundir-se cada vez mais a mentalidade segundo a qual, com o pretexto do progresso e da modernidade, se vão destruindo os princípios e os valores elementares do matrimónio e da família. A doação humana recíproca entre os esposos por toda a vida, a fidelidade e a exclusividade conjugais, e a fecundidade (cf. Paulo VI, Encíclica Humanae vitae, 9) tornam-se relativas e apresentam-se como se fossem um simples fruto de acordos exteriores e de estatísticas sociais, mutáveis em conformidade com as circunstâncias.
3. Como Bispos, pastores e cidadãos do mundo, preocupa-nos o facto de que se violam a soberania e a cultura dos nossos povos e que não se responda à profunda e legítima aspiração dos nossos povos, de ver a família salvaguardada e ajudada na sua missão integral, como o melhor investimento e o mais precioso “capital humano”, em benefício de toda a sociedade. Muitas famílias, que vivem heroicamente e merecem o reconhecimento da parte da sociedade, trabalham e lutam para educar os filhos de forma integral, com todos os valores, para lhes assegurar um futuro digno.
II. A verdade acerca da família e da vida
4. A família autêntica, santuário da vida e, ao mesmo tempo, primária e mais profunda escola de amor e de ternura, anima e impele a juventude a procurar a felicidade nos verdadeiros valores humanos, que se encontram no poder da liberdade, na generosidade, na solidariedade e na sobriedade.
5. Uma sociedade e cultura sadias reflectem-se e alimentam-se na saúde da família. De igual modo, uma sociedade e cultura enfermas reflectem-se numa família frágil e deteriorada. O futuro da humanidade não será possível sem o reconhecimento e o respeito pelos valores da instituição natural da família. Os que têm nas suas mãos e, de certa forma, são responsáveis pelo porvir dos nossos povos, devem ser guardiães e promotores da família e da vida, dado que a sua salvaguarda constitui uma responsabilidade de toda a sociedade, de maneira especial daqueles que estão ao seu serviço na nobre vocação da política.
6. A família fundamentada no matrimónio, livre e vinculador, do esposo e da esposa é, pela sua própria natureza, a célula básica da sociedade e um património da humanidade. Jesus Cristo elevou esta comunidade de vida e de amor à dignidade de sacramento.
7. Angustia-nos profundamente a pretensão de outorgar um reconhecimento legal, com os seus efeitos jurídicos, que a tradição dos povos reconhecia de modo exclusivo ao matrimónio um bem eminentemente público às chamadas “uniões de facto”, nas suas diversas versões e etapas. A nossa apreensão é ainda maior, nos casos em que esta pretensão se refere às pessoas do mesmo sexo. É inadmissível que se queira fazer passar como uma união legítima, e inclusivamente como “matrimónio”, as uniões de pessoas homossexuais e lésbicas, até mesmo com a reivindicação do direito a adoptar filhos. Elas apresentam-se implícita e explicitamente como uma alternativa à família. Reconhecer este novo tipo de união e equipará-la à família significa discriminá-la e atentar contra a mesma.
8. A família e a vida caminham pari passu. Por isso, todo o desconhecimento e ataque contra a família é feito inclusivamente contra a vida, assim como todo o desconhecimento e ataque contra a vida é feito também contra a família. No meio do debate científico e moral deste momento, sobre os complexos problemas da bioética, entre os quais é necessário mencionar a engenharia genética, a clonagem, a fecundidade assistida e a eutanásia, queremos confirmar a sacralidade da pessoa humana, desde a concepção até à sua morte natural. A ciência não pode impor-se como um critério exclusivo à margem dos princípios éticos, dado que isto comprometeria a pessoa e a sociedade.
9. João Paulo II afirma: “O homem [contemporâneo] vive como se Deus não existisse, e chega a colocar-se a si mesmo no lugar de Deus. Ele arroga para si próprio o direito do Criador, de interferir no mistério da vida humana. E, mediante manipulações genéticas, quer decidir a vida do homem e determinar o limite da morte. Rejeitando as leis divinas e os princípios morais, ele atenta abertamente contra a família. De várias maneiras, procura fazer calar a voz de Deus no coração dos homens; e quer fazer de Deus o “grande ausente” na cultura e na consciência dos povos. O “mistério da iniquidade” continua a caracterizar a realidade do mundo” (Homilia na Missa de Beatificação em Cracóvia, Polónia, 18 de Agosto de 2002).
Impressiona-nos o facto de que, enquanto se proclamam com legítima insistência os direitos humanos fundamentais e, sem dúvida, que o primeiro de entre eles é o direito à vida (cf. Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 3), difunde-se cada vez mais o crime abominável do aborto. O próprio Santo Padre denuncia a transformação do crime em direito (cf. João Paulo II, Carta Encíclica Evangelium vitae, 11).
10. Todos nós somos interpelados pela extrema pobreza da grande maioria das famílias no nosso Continente. O capitalismo selvagem e a ditadura do mercado provocam cada mais mais desigualdades entre os homens, além do aumento do desemprego. Compartilhamos o sofrimento de numerosas famílias, que vivem a necessidade de emigrar por falta de oportunidades de trabalho em muitas regiões.
É preciso criar e manter uma rede de solidariedade concreta, que reconheça em cada homem um nosso irmão. Assim, como o Santo Padre quis propor, a globalização será verdadeiramente humana e humanizante, uma autêntica “globalização da solidariedade” (João Paulo II, Exortação Apostólica Ecclesia in America, 55).
Esta aspiração é compartilhada por muitas pessoas de reconhecida autoridade nos campos da política, da sociologia e da economia.
11. Não é verdade que o incremento demográfico é a causa da pobreza e da miséria. Sabemos que elas constituem o resultado da injustiça imperante. São elas que produzem o maior enriquecimento dos ricos e o ulterior empobrecimento dos pobres. Nunca antes houve tanto contraste entre riqueza e pobreza. Neste contexto, a vítima principal é a família. Para as crianças, convidadas a participar no banquete da vida, a maior pobreza é carecer de uma família onde sejam recebidas, amadas e educadas. A pobreza agrava-se na ausência da família, e piora de maneira notável quando não se pode ter uma família ou uma mínima dignidade. A voracidade do poder económico pode chegar a destruir outro elemento essencial da vida, o equilíbrio ecológico da criação.
III. A necessidade de agir
12. Os políticos e os legisladores, e nem só os católicos, são convidados em virtude do próprio sentido das leis em prol do bem comum, a não dar o seu voto a projectos de leis iníquas. Pedimos-lhes insistentemente que procurem iniciativas criadoras em favor da família e da vida e que, na medida do possível, se formem numa legislação orgânica e positiva.
13. Perante o crescimento de uma mentalidade divorcista, o Santo Padre João Paulo II (cf. Discurso à Cúria Romana, 28 de Janeiro de 2002) convida a uma atitude coerente e inclusive à objecção de consciência diante das leis injustas que, por o serem, não têm carácter obrigatório. O direito à objecção de consciência é particularmente urgente perante o elevado número de projectos de lei sobre uniões de facto a vários níveis, que atentam contra a singularidade do matrimónio.
Como poderia um cristão, um político ou um legislador coerente, mesmo que não compartilhasse a nossa fé, dar o seu voto ou prestar-se a “celebrar” estas uniões que, de facto, discriminam o seu mundo moral?
14. Em nome de Jesus Cristo, a quem nós reconhecemos como o único Salvador do mundo, anunciamos o Evangelho da vida sem pretender impô-lo. Esta verdade é válida em si mesma e, em virtude do seu esplendor, é capaz de convencer e de seduzir os homens e as mulheres de boa vontade.
A história interpela a humanidade inteira, na aurora do novo milénio, e exorta especialmente os dirigentes a gerar uma sociedade que seja digna do homem.
Juntamente com o Santo Padre João Paulo II (cf. Homilia na Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, 23 de Janeiro de 1999) concluímos, dizendo: “A Igreja deve manifestar-se profeticamente contra a cultura da morte. Que o Continente da Esperança seja também o Continente da Vida“.
Santo Domingo, 4 de Setembro de 2002 (decidiu-se que esta Declaração fosse divulgasse no Vaticano, na significativa data de 12 de Outubro de 2002).
Alfonso Card. LÓPEZ TRUJILLO
Presidente do Pontifício Conselho para a Família
Giovanni Battista Card. RE
Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina
D. Jorge Enrique J. CARVAJAL
Presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM)
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